Audiência Pública sobre o novo depósito de rejeitos

Relatos de uma farsa onde os riscos radioativos não foram considerados

A audiência Pública sobre Unidade de Armazenamento Complementar a Seco de Combustível Irradiado com rejeitos de alta radioatividade ocorreu no dia 22/01/20021. Apesar de concebida pelos organizadores para ser realizada de forma meramente protocolar, e sem espaço para questionamentos e interferências, a manifestação dos participantes demonstrou uma forte preocupação com os riscos do empreendimento, com o descumprimento da Eletronuclear das contrapartidas e condicionantes assumidos em audiências anteriores, e com as falhas evidentes do Plano de Emergência, em caso de algum vazamento radioativo na Central Nuclear.

Como previmos, a realização da audiência numa noite de sexta-feira quente de verão, de forma virtual e com escassa divulgação, envolveu poucas pessoas. Conseguiram participar cerca de 120 pessoas, além do IBAMA e de algumas dezenas de funcionários da própria Eletronuclear, estiveram presentes: o procurador Dr. Igor Miranda, do Ministério Público Federal; a Prefeitura Municipal de Paraty; alguns servidores do ICMBio; algumas lideranças comunitárias, e diversas lideranças de comunidades tradicionais de Angra dos Reis, Paraty, e Ubatuba; ambientalistas de Angra dos Reis, Rio de Janeiro e de outros Estados; e moradores da região, preocupados com o tema. Muitas pessoas não conseguiram acessar a audiência. Principalmente por dificuldades com a plataforma virtual, e problemas de acesso a rede de computadores, que ocorre de forma recorrente em localidades rurais e costeiras.

A apresentação inicial da Eletronuclear, e das empresas contratadas para avaliarem os impactos ambientais e sociais, expôs a construção de um novo depósito de rejeitos para armazenar as varetas de combustível altamente radioativos apenas como uma extensão das atividades já licenciadas anteriormente. Como se fosse um “puxadinho” para guardar material inerte num cantinho do complexo nuclear. Professaram uma fé cega na tecnologia e indicaram como parâmetro central considerar RISCO ZERO de contaminação radioativa significativa no armazenamento; amparados unicamente na experiência de uso dessa tecnologia nos Estados Unidos da América. Entendimento, que não se sustentou durante os questionamentos dos participantes.

A condução do IBAMA da audiência demonstrou claramente não haver, por parte do órgão licenciador, qualquer preocupação com o cumprimento legal dos requisitos de uma audiência pública, e muito menos, em buscar aprofundar os esclarecimentos à população ou mesmo sugerir qualquer alteração ao que foi previamente proposto pelo empreendedor. Com a obra já em andamento, o IBAMA estava simplesmente cumprindo a determinação da Justiça de realizar a Audiência Pública, mas de forma a manter tudo como estava. Sem qualquer alteração ou mesmo estabelecimento de contrapartida. Para isso, respondeu poucas e escolhidas perguntas feitas; restringiu a fala apenas a alguns escolhidos, e de forma machista impediu as manifestações orais de pelo menos duas mulheres da SAPE; e não cobrou respostas da mesa aos questionamentos diretos feitos pelos participantes. Uma postura subserviente e vergonhosa para este órgão público, que está se acostumando a ver a boiada passar.

A postura da Eletronuclear não foi melhor. Demonstrando pouco conhecer a realidade da região em que se insere, tratou o licenciamento do depósito como se não tivesse nenhuma relação com as demais Unidades do Complexo Nuclear. Como se não houvesse uma relação direta de causa e efeito entre a disposição do lixo nuclear produzido e o funcionamento das Usinas nucleares que não param de produzi-lo. Trataram as diferentes zonas de segurança do Plano de Emergência (5, 10 e 15 km) como limites que impediriam por si a disseminação da radiação pela região. Seu comportamento arrogante diante de uma manifestação de participantes das comunidades tradicionais levou o procurador do Ministério Público registrar o descontentamento expresso por suas lideranças.

Em resumo os principais questionamentos foram:

1. O grau de risco do novo depósito, considerando: o translado das varetas do interior do reator, depois de encapsuladas, para a área externa. Incluindo a questão da exposição e eventuais vazamentos ao meio nesses procedimentos, e a possibilidade de contaminação dos trabalhadores no envasamento no interior da cúpula do reator;

2. A possibilidade de vazamento radioativo das cápsulas na área externa , considerando: eventuais falhas mecânicas do sistema de ventilação do equipamento no clima quente e úmido de Angra dos Reis; a instabilidade geológica da região, que no passado já soterrou um laboratório do complexo nuclear; sua colocação ao nível do mar na área externa próximo a rodovia Rio Santos, situação que o sujeita a riscos caso haja elevação do nível do mar ou algum evento climático maior, e mesmo sua exposição a ataques terroristas.

3. Inexistência de impactos previstos na execução do Plano de Emergência, considerando: a descrença coletiva na exequibilidade do Plano de Emergência como esta concebido, caso se torne público um vazamento; as dificuldades de comunicação em áreas de comunidades tradicionais, em áreas próximas ao Complexo Nuclear, incluindo inclusive a necessidade de informações na língua Guarani para a população das aldeias; e a necessidade de incorporar novos mecanismos de controle social da radiação, a partir da instalação de um novo foco potencial de vazamento, fora das cúpulas de proteção dos reatores;

4. Alternativas a esse modelo tecnológico proposto e sua integração ao depósito final de rejeitos aprovado, considerando: ter sido apresentada na audiência uma única alternativa tecnológica para o armazenamento, e a construção de um o novo depósito ter sido condicionante para o licenciamento de Angra 3, dez anos atrás.

5. A fragilidade do processo de licenciamento frente ao passivo socioambiental da Eletronuclear, e leniência das autoridades responsáveis, considerando: que ainda não foram cumpridas as contrapartidas acordadas no licenciamento de Angra 2, Angra 3, e outras.

Como pode se observar, a Audiência revelou muitas questões relevantes, que devem ser consideradas. Ainda mais quando temos uma população na região superior a 200 mil habitantes, grande patrimônio ambiental e cultural, reconhecido mundialmente pela UNESCO, e tivemos catástrofes ambientais recentes, como a de Brumadinho, que indicam a necessidade de planejar ações efetivas para a ocorrência de eventos extremos. Cabe a população, servidores públicos, e autoridades competentes trabalhar para que isso não ocorra.