Em janeiro de 2023 a SAPE (Sociedade Angrense de Proteção Ecológica) completou 40 anos de Re – EXISTÊNCIA. Para celebrar essa longa trajetória faremos no próximo dia 30 de novembro o “SAPE 40” na Casa da Cultura Brasil dos Reis. O evento iniciará com a roda de conversa: “Cidades Nucleares: Cobaias da Radiação”, contará com o lançamento de um livro sobre o tema, uma homenagem a participantes da história da organização e terminará com uma confraternização entre os presentes.

O tema nuclear reflete a principal motivação para a criação da entidade, ocorrida no bojo das manifestações antinucleares do Hiroshima Nunca Mais, que aconteceram em Angra dos Reis no início dos anos 80, em reação à instalação da Usina Nuclear de Angra I. Refletiu também a necessidade sentida pelos moradores do município, diante da expropriação de seu território provocada pela construção do trecho Rio-Santos da Rodovia BR-101, do Terminal de Petróleo e do próprio complexo nuclear, de tentar proteger seu patrimônio natural e cultural, num ambiente de profundas transformações espaço sociais.

Desde sua fundação e ao longo dessas quatro décadas, a SAPÊ empreendeu, além da luta contra a produção da energia nuclear e pela adoção de uma matriz energética limpa e sustentável, a defesa dos ecossistemas da Baía da Ilha Grande, a batalha pelo livre acesso às praias, caminhos e rios, buscou garantir o território das comunidades tradicionais, garantir o direito à cidade para toda a população, e promover a valorização da cultural local. Essas bandeiras se traduziram em dezenas de lutas, em diferentes escalas de atuação – da municipal a mundial. Envolveram-se dezenas de pessoas, em diferentes momentos, que contribuíram na manutenção da entidade e na condução de projetos e campanhas. Mobilizaram-se inúmeros parceiros/parceiras locais, regionais, nacionais e internacionais. Integramos e formamos inúmeros coletivos com outras organizações sociais, associações, sindicatos, escolas e universidades, que garantiram a continuidade da luta em diferentes ciclos de re-existência da instituição.

Passadas décadas, a questão nuclear continua a ser vital para o município de Angra dos Reis. Prova disso é a instalação pela Câmara Municipal de Angra dos Reis, no início desse ano, de um Comitê de Acompanhamento das Atividades Nucleares criado no início dos anos 2000. A motivação para a instalação  vinte anos depois foi a divulgação – seis meses após o ocorrido-  de um vazamento de radiação do Complexo Nuclear, que atingiu o mar da Baía de Itaorna, em 2022. O vazamento foi constatado após denúncia anônima e chegou ao conhecimento das autoridades municipais e população meses depois quando noticiado na imprensa.

Situações semelhantes ocorrem em outras localidades que têm ou tiveram instalações nucleares. O município de Caldas em Minas Gerais, por exemplo, teve as operações de mineração de Urânio encerradas em 1995, mas até agora o descomissionamento da radiação presente no ambiente não foi concluído. Recentemente a barragem D4 integrante do sistema de exploração da mina foi enquadrado no nível 01 de emergência pela INB, escala que vai de 01 a 03 . A barragem com material radioativo (urânio e tório) provenientes dos rejeitos da mineração estão a céu aberto com materiais pesados e muita lama e corre o risco de se romper provocando uma tragédia ambiental inédita.

Outro caso emblemático é retratado no livro Cobaias da Radiação – a história não contada da marcha nuclear brasileira e de quem ela deixou para trás, escrito pela jornalista Tania Malheiros, que será uma das atividades do evento SAPÊ 40. Nesse trabalho, a jornalista – que escreve sobre o tema desde 1986 a atualmente mantém um blog – conta a história da indústria nuclear Orquima, no Brooklin, na zona sul paulistana, sucedida pela Usina de Santo Amaro (Usam), depois Nuclemon. Segundo ela a indústria deixou “um rastro de mortos, desaparecidos e doentes”. Vítimas ignoradas pelo Estado, as “cobaias da radiação”, que se somam a uma lista de trabalhadores contaminados em ambientes de trabalho no país.

A reflexão sobre a questão nuclear em Angra dos Reis, cidade que abriga as únicas usinas nucleares do país, e buscar formas seguras de lidar com os riscos da radiação e seus impactos sociais não é tarefa fácil, diante da pressão da empresa nuclear e do próprio temor suscitado pela discussão.  O evento SAPÊ 40 pretende aproveitar esse momento histórico para proporcionar esse momento, a partir de nossa experiência e de outras localidades que vem enfrentado esse desafio. Entendemos que, apesar da importância das demais lutas e campos de atuação da SAPE, essa é uma luta que – infelizmente – conta com poucas pessoas e instituições engajadas; e enfrenta por um lado um inimigo poderoso e invisível – a radiação, e de outro uma indústria poderosa, pouco afeita ao contraditório, e que age sob a proteção do Estado. Mesmo assim é vital para Angra dos Reis fazer essa reflexão e por isso a trazemos a público.